Uma das maiores polêmicas do marketing brasileiro é, sem dúvida, a publicidade infantil.
De um lado, estão as entidades civis que defendem a proibição de qualquer forma de publicidade para crianças, por conta da vulnerabilidade do público.
Do outro, estão as associações do mercado que buscam uma regulamentação mais efetiva para impedir práticas abusivas nesse tipo de comunicação.
O avanço dos debates em torno do tema já refletiu na lei e nos conselhos de autorregulamentação, criando novos mecanismos para proteger as crianças.
Então, será que os problemas da publicidade infantil justificam sua proibição definitiva no país?
Como é um assunto muito complexo, recomendo que você leia até o final antes de se posicionar.
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O que é publicidade infantil
A publicidade infantil é todo esforço de marketing e divulgação voltado às crianças, com o objetivo de vender produtos e serviços. Por ser uma questão polêmica, é preciso atender a uma série de exigências legais para anunciar para esse público, evitando práticas abusivas que exploram a ingenuidade da infância.
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, considera-se criança a pessoa com até 12 anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre 12 e 18 anos.
Embora os tomadores de decisão sejam os pais e responsáveis, que possuem o poder de compra, o público infantil aparece nas estratégias de marketing como um influenciador importante.
Até poucos anos atrás, o principal meio utilizado para atingir esse público-alvo no Brasil era a TV, onde eram veiculados comerciais de produtos infantis, como brinquedos, roupas e alimentos.
Não à toa, pois as crianças brasileiras passam em média 5 horas e 35 minutos em frente à televisão, segundo uma pesquisa do Painel Nacional de Televisão publicada no site Criança e Consumo.
Mas isso mudou em 2014, quando o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) publicou uma resolução que caracteriza a publicidade infantil como abusiva.
Desde então, há uma queda de braço entre as entidades civis e as empresas para determinar os rumos da publicidade infantil no Brasil.
O que caracteriza a publicidade infantil
A publicidade infantil é caracterizada por qualquer tipo de comunicação mercadológica que tem a intenção de persuadir a criança a consumir um produto ou serviço.
Nesse caso, vale qualquer formato: mídia impressa, out-of-home, comerciais de TV, spots de rádio, banners, embalagens, merchandising, ações promocionais no ponto de venda, marketing digital, etc.
Geralmente, esse tipo de publicidade usa estratégias como linguagem infantil, efeitos especiais, músicas infantis, cores vibrantes e outros recursos estéticos que atraem a atenção dos pequenos.
Uma das táticas mais comuns é associar produtos e serviços a personagens com forte apelo infantil.
Segundo um estudo realizado em 2017 pela Associação Brasileira de Licenciamento (ABRAL), publicado no Terra, 80% dos produtos licenciados são destinados ao público infantil.
Isso porque um produto com um personagem conhecido pelas crianças tem 20% mais chances de venda do que um item sem estampa.
No Brasil, a líder de licenciamentos é a Disney, seguida pela Marvel, DC Comics, Barbie, Hot Wheels e Hello Kitty.
Entre as marcas brasileiras, destacam-se a Turma da Mônica, Galinha Pintadinha e os times de futebol.
Outra estratégia é usar celebridades do universo infantil, como apresentadoras de programas infantis, atores mirins e cantores.
Também entram na publicidade infantil as ações com brindes colecionáveis e distribuição de prêmios.
Exemplos de publicidade infantil
Com certeza, você tem vários exemplos de publicidade infantil na memória, pois todos nós crescemos rodeados de marcas, anúncios e comerciais.
No intervalo dos desenhos animados dos anos 1990, eram exibidas propagandas que escandalizariam a sociedade atual.
Um exemplo clássico é a propaganda da tesoura em formato de Mickey e Minnie, da Mundial, que trazia um garoto repetindo incansavelmente “Eu tenho, você não tem”.
A peça pode ser vista no YouTube e representa uma das práticas consideradas abusivas hoje: constranger a criança por não consumir determinado produto que agrega status social.
Outra propaganda clássica da época, feita pela Garoto, mostra um menino hipnotizando o telespectador com o mantra “Compre Baton”, também disponível no YouTube.
Mas as campanhas mais recentes já embarcaram nas ideias de diversidade e atualizaram seus conceitos.
Um bom exemplo é a campanha da Barbie lançada em 2018, publicada no YouTube, que aborda a luta contra o preconceito de gênero e incentiva meninas a se tornarem cientistas, astronautas e presidentas.
Para mais exemplos, basta lembrar dos brinquedos colecionáveis dos salgadinhos e chocolates, estampas de personagens em todos os objetos e supermercados repletos de embalagens irresistíveis.
Publicidade infantil no Brasil e no mundo
No Brasil, a publicidade infantil começou a levantar polêmicas em meados dos anos 2000.
Em 2006, foi realizado o I Fórum Internacional Criança e Consumo, organizado pelo instituto Alana e sediado em São Paulo, dando início à articulação nacional sobre o tema.
Outro marco importante foi o lançamento do documentário Criança, a alma do negócio (2008), que tornou pública a pauta da relação entre infância e consumo.
A partir daí, a discussão tomou conta da sociedade, e começaram a surgir diversos projetos de lei, manifestos e iniciativas para combater a publicidade infantil abusiva.
Com a aprovação da Resolução 163 do Conanda, em 2014, várias empresas começaram a ser denunciadas por infringir as leis ao direcionar publicidade às crianças.
Hoje, a situação é de disputa entre ONGs, governo, agências e outros atores envolvidos, e divide opiniões.
Há quem ache que toda a publicidade infantil deve ser proibida por se aproveitar da falta de discernimento das crianças, e há quem defenda que o caminho mais razoável é a regulação.
No mundo, a maioria dos países conta com leis próprias para proteger as crianças de práticas abusivas na publicidade, além de conselhos de autorregulamentação.
No Reino Unido, Grécia, Dinamarca e Bélgica, a publicidade para crianças possui diversas restrições, enquanto a Noruega e o Quebec proibiram totalmente a prática.
Já a União Europeia conta com o EU Audiovisual Media Services Directive, um ato regulatório que determina as seguintes regras para publicidade infantil:
- Proibido incentivar menores a comprar produtos ou serviços por meio da exploração de sua inexperiência e ingenuidade
- Proibido encorajar menores a convencer seus pais e responsáveis a comprar produtos
- Proibido explorar a confiança das crianças em seus pais, professores e adultos do convívio
- Proibido mostrar crianças em situações de risco.
Além disso, o merchandising em novelas e programas de TV é proibido.
Por fim, os EUA também possuem sua legislação própria sobre o assunto, determinada pela Comissão Federal do Comércio, que restringe os comerciais de junk food e conteúdos violentos.
O país também foi pioneiro em criar uma lei específica para proteger a privacidade das crianças na internet: o Children’s Online Privacy Protection Act (COPPA).
Lei da publicidade infantil
Em relação às leis da publicidade infantil no Brasil, temos que considerar os seguintes instrumentos:
- Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
- Código de Defesa do Consumidor (CDC)
- Resolução CONANDA nº 163, de 13 de março de 2014, que dispõe sobre a abusividade do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança e ao adolescente
- Seção 11 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR)
- Lei nº 13.257, de 8 de março de 2016, conhecida como Marco Civil da Primeira Infância.
O ECA determina que as crianças tenham seus direitos protegidos contra qualquer forma de exploração, considerando-as psicologicamente vulneráveis.
No Código de Defesa do Consumidor, a questão é abordada no Art. 37:
“É abusiva a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança”.
Esse é um dos argumentos centrais contra a publicidade infantil, que é acusada de se aproveitar da vulnerabilidade das crianças e sua dificuldade em separar o real do imaginário.
Já a resolução 163 é a mais polêmica de todas.
Apesar de estar em vigor, a lei é alvo de críticas constantes e não foi reconhecida por associações de anunciantes, agências de publicidade e emissoras de TV do Brasil.
Na prática, as denúncias de publicidade infantil já estão sendo multadas conforme a lei, que determina o seguinte:
“Considera-se abusiva a prática do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança, com a intenção de persuadi-la para o consumo utilizando-se dos seguintes aspectos:
- Linguagem infantil, efeitos especiais e excesso de cores
- Trilhas sonoras de músicas infantis ou cantadas por vozes de criança
- Representação de criança
- Pessoas ou celebridades com apelo ao público infantil
- Personagens ou apresentadores infantis
- Desenho animado ou de animação
- Bonecos ou similares
- Promoção com distribuição de prêmios ou de brindes colecionáveis ou com apelos ao público infantil
- Promoção com competições ou jogos com apelo ao público infantil.”
O CONAR também prevê uma série de recomendações em concordância com a legislação, que são suficientes para coibir as práticas abusivas.
Já o Art. 5º do Marco Civil da Primeira Infância é categórico:
“Constituem áreas prioritárias para as políticas públicas para a primeira infância a saúde, a alimentação […], bem como a proteção contra toda forma de violência e pressão consumista.”
O caso mais recente foi o da Danone, que pagou uma multa de R$ 107 mil por descumprir a lei nas campanhas do produto Danoninho “Mini Dinos”, conforme publicado no Criança e Consumo.
Recentemente, em maio de 2019, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo Bolsonaro solicitou uma revisão da norma, com o intuito de afrouxar as proibições.
A nota, publicada no Jornal GGN, foi enviada ao Conanda, que rebate os argumentos do governo e defende a manutenção da resolução integral.
Problemas da publicidade infantil
Como você pode ver, os problemas da publicidade para crianças geram debates acalorados em toda a sociedade, organizações e governo.
Mas, afinal, o que torna a publicidade infantil abusiva?
E quais são as reais consequências da publicidade infantil na vida das crianças?
Vamos compreender melhor essas questões com os tópicos a seguir.
Aumento da obesidade Infantil
O aumento da obesidade infantil é uma das consequências mais graves da publicidade de alimentos.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 340 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 19 anos estão obesos no mundo todo.
Para crianças com menos de 5 anos, os números chegam a 41 milhões, segundo o levantamento de 2016.
No Brasil, quase metade das crianças brasileiras serão obesas em 2022, segundo a previsão alarmante do Ministério da Saúde, publicada no R7.
Os principais vilões são os comportamentos sedentários, alta disponibilidade de fast food e longas horas na frente da televisão ou computador.
Nesse caso, a publicidade infantil tem culpa no cartório quando se trata de alimentos industrializados.
Consumo de alimentos industrializados
Obviamente, os perigos da publicidade infantil estão na promoção de alimentos industrializados de alto valor calórico e baixo teor nutricional.
Por muito tempo, os anúncios se focaram em balas, chicletes, salgadinhos, biscoitos recheados, lanches de fast food e outras guloseimas que atraem o paladar infantil.
Basta uma rápida lida no rótulo desses alimentos para encontrar altas concentrações de açúcar, sódio e gordura trans – sem falar na interminável lista de corantes e aditivos alimentares.
Teoricamente, o consumo moderado não traria malefícios à saúde nem seria capaz de impulsionar uma epidemia de obesidade infantil.
Mas aí entra a questão do discernimento e da sensibilidade das crianças aos estímulos publicitários.
Assim, um dos esforços de regulamentação da publicidade infantil é impedir que os anúncios incentivem o consumo excessivo de alimentos ultraprocessados.
O Conar já possui recomendações apropriadas nesse sentido, como nos seguintes tópicos do seu código de autorregulamentação:
- “[…] Abster-se de encorajar ou relevar o consumo excessivo ou de apresentar situações que incentivem o consumo exagerado
- Apresentar corretamente as características de sabor, tamanho, conteúdo/peso, benefícios nutricionais e de saúde
- Abster-se de desmerecer o papel dos pais, educadores, autoridades e profissionais de saúde quanto à correta orientação sobre hábitos alimentares e outros cuidados com a saúde
- Abster-se de utilizar crianças muito acima ou muito abaixo do peso ‘normal’, segundo os padrões biométricos comumente aceitos, evitando que elas e seus semelhantes possam ser atingidos em sua dignidade”.
Antecipação da fase adulta
Outra preocupação constante dos pais e sociedade é a antecipação da fase adulta promovida pela publicidade infantil.
Nos comerciais dos anos 1990, a erotização precoce estava presente em várias peças, como a famosa propaganda da Sundown com uma menina desfilando de biquíni e recebendo cantadas de meninos aos 6 anos de idade.
Ou os comerciais da Garoto que mostravam meninos pré-púberes espiando e sonhando com mulheres mais velhas do seu convívio.
Recentemente, em janeiro de 2019, a Grendene foi condenada pela 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo por erotização precoce em comerciais da Melissa.
A punição ocorreu por conta de um comercial de 2010, que mostrava meninas desfilando com as sandálias da Hello Kitty e sendo elogiadas pelos meninos na rua, conforme publicado no UOL.
De modo geral, produtos como sutiãs com enchimento para meninas de 8 anos estimulam a chegada precoce à adolescência.
Logo, essa é uma das questões centrais para aprimorar a regulamentação da publicidade infantil.
A publicidade infantil na internet
Embora o controle sobre a publicidade infantil esteja avançando, a internet ainda é um terreno desafiador para a regulamentação.
Uma pesquisa realizada pela Intel Security em 2015, publicada no Canaltech, mostra que 83% dos internautas entre 8 e 12 anos estão ativos nas mídias sociais.
Mesmo com a proibição expressa nos termos de serviço de redes como Facebook e YouTube, as crianças estão presentes nessas plataformas e têm contato frequente com a publicidade online.
O YouTube é destaque na concentração de publicidade infantil, com inúmeros canais feitos por e para crianças.
O FunToyzCollector, por exemplo, é um canal voltado exclusivamente ao “unboxing” de brinquedos da Disney e já conta com 11 milhões de seguidores.
Em janeiro de 2019, o Ministério Público exigiu que o Google derrubasse os conteúdos de youtubers mirins sobre brinquedos, conforme notícia da Exame.
Segundo o órgão, as empresas estariam usando os canais com apelo ao público infantil para driblar a lei e promover seus produtos.
A versão é confirmada por Cláudia Almeida, advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
Em entrevista à OAB SP, ela conta que os youtubers mirins não poupam falas diretas como “peça para sua mãe” e “você precisa disso”, que são claramente vetadas pela legislação.
Na opinião da especialista, YouTube e outras redes sociais não são brinquedos, pois expõem as crianças aos perigos da publicidade infantil e da falta de privacidade em relação aos dados pessoais.
Tudo indica que o próximo passo será repensar a relação entre infância e internet.
Conclusão
Agora você está a par dos debates em torno da publicidade infantil e pode formar sua opinião sobre o assunto.
Não é um tema simples, pois os limites entre as práticas abusivas e o senso crítico das crianças ainda não estão tão claros.
No entanto, proibir todo tipo de publicidade não parece ser o melhor caminho, até porque a publicidade e a cultura estão mais próximas do que nunca.
É impossível impedir que as crianças tenham contato com marcas e anúncios, e também é importante formá-las enquanto futuros consumidores.
Em relação às práticas abusivas, a legislação brasileira e o CONAR já mostraram avanços significativos.
Espero, sinceramente, que a sociedade decida de forma responsável até onde deve ir a publicidade para crianças, e que as empresas cumpram as leis e recomendações.
Mas também preciso saber o que você pensa, como cidadão e profissional.
Na sua opinião, a legislação atual é suficiente para impedir abusos na publicidade infantil?
Aguardo seu comentário para refletirmos juntos.
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